Pesquisadores
da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) lançaram, na
quinta-feira (28/9), um estudo que simula os gastos do Sistema Único de
Saúde (SUS) com os medicamentos usados no tratamento de HIV/Aids e de hepatite
C, caso as propostas da União Europeia (UE) para o capítulo de propriedade
intelectual do Tratado de Livre Comércio (TLC) sejam aceitas pelos países do
Mercosul. O estudo conclui que o governo brasileiro desembolsará um valor
adicional de até R$ 1,9 bilhão por ano só com a compra desses medicamentos -
uma média de R$ 1,8 bilhão para hepatite C e R$ 142 milhões em antirretrovirais
(ARV).
A pesquisa
foi realizada a partir da análise das compras de 22 ARVs pelo SUS em 2015 e dos
três medicamentos para hepatite C adquiridos em 2016. Os valores encontrados no
estudo correspondem aos custos anuais do tratamento de aproximadamente 60 mil
pessoas com hepatite, com medicamentos de última geração, e mais de 57 mil
pacientes com HIV.
“Essa é só
a ponta do iceberg, já que a pesquisa se restringe aos 25 medicamentos usados
no tratamento de apenas duas doenças. O governo compra muitos outros medicamentos
para outras dezenas de doenças. O impacto das propostas da União Europeia no
capítulo de propriedade intelectual pode refletir um gasto muito mais alto do
que os R$ 1,9 bilhão anuais estimados pela pesquisa”, diz Gabriela Chaves,
pesquisadora do Departamento de Política de Medicamentos e Assistência
Farmacêutica da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP), da
Fiocruz.
A próxima
rodada de negociações do TLC será realizada em Brasília, entre os dias 2 e 6 de
outubro, em 2017. No que diz respeito ao capítulo de propriedade intelectual, o
principal objetivo da União Europeia é aumentar os padrões de proteção, com a
adoção de medidas chamadas Trips-plus, garantindo maior exclusividade de
mercado para as empresas multinacionais, o que afeta diretamente a área de
medicamentos. Essas medidas concedem maior proteção do que aquelas já previstas
no Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual
relacionados ao Comércio (Trips, na sigla em inglês) da Organização Mundial de
Comércio (OMC), do qual o Brasil é signatário.
A proteção
da propriedade intelectual no Brasil já é bastante ampla. Em 1996, o Brasil se
adiantou à obrigação assumida no âmbito da OMC e aprovou a atual lei que
concede proteção patentária para medicamentos, o que poderia ter sido feito só
nove anos mais tarde. “Quem paga essa conta, que fica ainda mais alta com as
medidas Trips-plus, é o SUS”, avalia Gabriela. “O que está em jogo nos
resultados dessas negociações é a sustentabilidade do sistema público de saúde,
já que medidas que fortalecem o monopólio de tecnologias essenciais em saúde
possibilitam que as empresas pratiquem preços muito altos, ameaçando o
princípio da universalidade do SUS”, afirma.
A proteção
patentária de medicamentos foi sentida inicialmente no SUS com a adoção dos
primeiros ARVs patenteados no final da década de 1990. Os ARVs anteriores a
essa proteção foram produzidos localmente a preços mais baixos do que aqueles
praticados pelas multinacionais. Quando as patentes de medicamentos entraram em
vigor, em 1997, o governo brasileiro teve que adotar diferentes estratégias
para a redução dos preços de medicamentos sob monopólio, como as
flexibilidades de proteção da saúde pública previstas no acordo Trips da OMC
para comprar e produzir genéricos e, assim, garantir a universalidade do
tratamento de HIV.
Em 2007,
por exemplo, o governo licenciou compulsoriamente o medicamento Efavirenz, o
que possibilitou a importação e a posterior produção local de versões genéricas
de 67% a 77% mais baratas do que o preço do produto patenteado. O mesmo ainda
não aconteceu com os medicamentos de hepatite C.
A pesquisa
realizada pela Fiocruz segue as recomendações do Painel de Alto Nível da ONU
sobre Acesso a Medicamentos, que incluem a realização de estudos para avaliar o
impacto que negociações comerciais na área de propriedade intelectual podem
gerar na saúde pública e na garantia de direitos humanos.
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